eu sou capoeira e isso muita gente já sabe (nem tanta gente assim), mas muita gente não sabe o que isso quer dizer, muita gente não sabe o que isso quis dizer nessa última semana. eu iniciei na capoeira aos 11 anos de idade, ainda na barra dos coqueiros, aquela ilhota em frente à aracajíves. parei por um tempo quando vim morar em feira (pq a capoeira aqui era foda, o pau comia, respeito passava longe, sobrava feitor, faltava malungo), e retornei já adulto, faz uns 8/9 anos, já!
eu achava que estava aprendendo capoeira, que aprendia capoeira, mas na real, eu só aprendia a me mexer, no máximo tocava uns pandeiros, berimbau, aprendia umas músicas, mas ainda estava muito longe de começar a aprender a capoeira, mas eu não sabia disso.
faz poucos anos, 3 ou 4, que comecei a aprender capoeira, e isso tem tudo a ver com essa semana, tem tudo a ver com o racismo. comecei a aprender o que a capoeira era e de onde ela vinha, por que ela tinha sido criada, por quem ela foi criada, pra que ela foi criada. fazer pirueta era pouco, queria ver mais profundo, capoeira é jogo de esconder, jogo de mandinga, eu queria saber o que estava escondido ali, ainda quero.
isso é muito bom porque me sinto um iniciante na capoeira, é o que sou, e o que espero ser pra sempre. entre outras coisas, entendi que na capoeira só pode haver iniciantes, aprendizes (embora a guerra esteja sendo travada por todos que ambicionam ser mestres), ela é feita de iniciantes, alguns com mais de 80 anos, repletos de sabedoria e marcados pela luta contra o racismo, todos aprendizes. a gente deveria se ver assim em relação às pautas raciais, se colocar como aprendiz, escutar, para de ser mestre, entendido, sabe-tudo, aprender.
a capoeira é preta. e cada vez tem menos pretos na capoeira. e cada vez se fala menos sobre os pretos na capoeira, sobre o racismo então: "nossa, melhor mudar de assunto, nada a ver isso aí, na capoeira somos todos iguais". capoeira foi e é a luta contra todo o sistema racista que se implantou na humanidade, e que ainda mata o povo no negro no brasil e em diversos outros cantos, racismo é foda. se vacilar, daqui a pouco capoeira se torna somente mais um espaço de opressão governada por brancos.
essa semana vivi entre esquivar dos imbecis falando pás de merda sobre o que desconhecem totalmente dos discursos anti-racistas no país, como a "não necessidade do dia da consciência negra, e sim o da consciência humana", (putaquepariu), e as possibilidades de acessar inúmeros textos, depoimentos, comentários, vídeos, documentários, feitos e compartilhados por quem se tornou sensível e decidiu mostrar outras visões sobre o assunto que nossa educação e formação racistas não nos permitiram enxergar.
e não tô falando do facebook, nesse momento reacionário que o brasil tem vivido, até evito ler as barbaridades que postam na rede, falo aqui de casa, das minhas relações, da hora do almoço, como somos racistas e não nos damos conta porque nunca precisamos lidar diretamente com isso, faltou tomar saculejo de pm e tapa na cara pelo visto, nosso conforto (nosso privilégio) nos emburrece incrivelmente.
tem quem defenda que o racismo só deixará de existir quando a gente parar de falar nele (eu na adolescência devo ter pensado assim também), se isso fosse verdade, já teria acontecido, já que a gente evita a qualquer custo tocar no tema, a gente inventa qualquer coisa pra não tensionar a discussão nesse viés (mas a cota deveria ser social e não racial), a gente evita falar dele há mais de 500 anos e ele tá aí matando gente todo dia.
parece que agora vai, parece que agora vou começar a aprender capoeira, ouvindo de quem precisou dela pra sobreviver, se defender, se salvar, se enxergar, se perceber, se amar, se valorizar, se sentir forte, bonito. aprender dos pretos e pretas, dos seus donos. caminhando pra frente, olhando pra trás. Sankofa, volta do mundo, camará!
que a gente saiba perceber o nosso lugar com senso crítico aguçado, com honestidade, e tenha humildade e generosidade para perceber o lugar do outro, e ouvir o que o outro diz.
"viva 20 de novembro, momento pra se lembrar... não vejo em 13 de maio nada pra comemorar..."
Quando você finalmente enxerga o racismo, você enxerga que ele está em tudo!