domingo, 1 de setembro de 2013

de mudança.

ela estava pensando em mudar alguma coisa. "qualquer coisa", dizia. menos o cabelo, ela sempre mudava algo no cabelo, mas isso mudava pouca coisa, quase nada. mas ela queria mudar alguma coisa. "precisava mudar", ela dizia.

viveu sempre no mesmo lugar. um lugar desses bem longe de tudo em que nada acontece, achava que deveria ir pra outro canto, um desses centros repletos de pessoas, onde de tudo se encontra. achava que ali onde nascera, nada poderia fazer. ela precisava sair, precisava mudar.

mas tudo isso parecia tão longe. onde iria viver? sem trabalho certo, onde iria morar? o que comeria? e a família? amigos? teria que começar tudo de novo, isso parecia muito e muito longe.

fez as contas: não havia nada a perder além daquele tudo que era tão pouco. haveria outro tudo em outro lugar. há um tudo em toda parte. outro trampo, outro cara, outros caras, muitos caras. era uma conta muito alta.

ela precisava mesmo mudar, estava morrendo aqui. mas, sonhava viver e morrer em outro lugar.

chegou o dia em que a necessidade de mudança se tornou questão de vida ou morte, ela já não podia mais esperar. entrou em casa correndo, aproveitando da ausência de todos e do raro silêncio, apagou as luzes; e na adrenalina do momento,  imaginou um reggae. e dançou.


"adrenalina é uma menina dormindo, dançando no silêncio, imaginando um reggae" 
(Esportes Radicais - HG)



sábado, 31 de agosto de 2013

contágio.

claro que me deixei contaminar. todos deixam.
eu não queria ficar de fora.
sou melhor do que ninguém.

agora também sou um vírus.
faço parte da turma.
talvez aquela idiota me veja e me dê.

eu me deixei contaminar.
e fiz uns versos.



quarta-feira, 12 de junho de 2013

corrida

estava na terceira série, não lembro quantos anos tinha, mas vocês podem imaginar. eu era pequeno. era pequeno e gordo, não gordo demais, mas gordo; gordinho, como se diz. estudava em uma escola batista de aracaju, uma bela escola, havia uma bela quadra bem no meio da escola. nesta escola eu tive a primeira aula de música da minha vida, aula de piano. odiei. se pudesse imaginar que um dia seria músico, teria dado mais atenção para aquelas mínimas e semínimas todas. coisas da vida.

esporte era carro-chefe da escola, na verdade deveria ser a religião, moral, ética, essas coisas, mas não lembro disso, lembro dos esportes, lembro de um campeonato de futebol, minha turma chegou à final, mas contra a quinta série lembro de ter buscado a bola umas três vezes no fundo da rede, o goleiro deve ter feito isso mais vezes, não foi uma goleada, foi uma esculhambação.

mas não é do futebol que vou falar, é da corrida:

meu pai deve ter acordado cedo, pois as provas de atletismo eram as primeiras, numa rua ao lado da escola. era sábado e estava frio. eu fiz o aquecimento com os outros garotos. preparar, apontar, fogo. lembro de ter visto meu pai, lá, parado, antes de eu começar a correr.

meu pai estava lá, não sei se torcendo por mim ou pra toda aquela bobagem terminar logo e voltarmos para casa. eu não tinha a menor chance, eu era gordo. ele sabia, eu não. lógico que fui o último a cruzar a linha de chegada, por que diabos eu estava ali? eu era gordo. 

acabou a corrida, eu tinha sido o último, estava revoltado e triste, não entendia por que não era mais rápido, estava com vergonha. meu pai estava ali vendo (e mesmo que eu não soubesse, dividindo) aquela derrota, deveria estar com vergonha de mim também.

seu manoel não disse uma palavra, não me consolou, não me julgou, não parecia triste, apenas dirigia, como sempre. num certo momento, me olhou e perguntou: "por que você quis correr?". não lembro se respondi alguma coisa, acho que não. ele soltou aquele riso debochado que perdura até hoje e não disse mais nada.

                    este não é um texto sobre um gordo inocente perdendo uma corrida na frente do pai, este é um texto sobre meu pai.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

segunda, 3 de junho de 2 mil e pouco.

eu já ia começar dizendo que este texto tá sem sentido pra caralho, mas aqui no futuro não se pode mais falar palavrão, não se pode falar mais nada, na verdade, nem mesmo escrever, eu estou correndo um sério risco de morrer, ou pior, de ficar vivo para sempre por conta dos avanços tecnológicos.

aqui no futuro é tudo igual mas fede muito mais. mata-se mais gente, mas não para de nascer gente, também. o bom do ser humano é isso, é que parece uma praga, não se acaba nunca, apesar de se acabar todo dia, aí morre um bocado, mas sempre tem um bocado. a moda agora é esquartejar e/ou queimar, ou passar no moedor de carne, ou no philips-walita. só matar não vale mais, pois não passa na tv, nem vira hit da internet, tem que ter uma esculhambação depois que mata o semelhante, o amiguinho. 

tem um talk show famoso na tv, apresentado por um gordo, chamado "requinte de crueldade", esse gordo que era humorista e sargento da polícia e pastor evangélico e militante do movimento lgbt e tesoureiro de um time de futebol da segunda divisão do campeonato e hoje é político entrevista os mais famosos psicopatas do nosso tempo, eles vivem soltos, pois o governo desistiu da cadeia, e do resto também. no programa  os criminosos narram o fato e, assim, formulam um tutorial de crimes bárbaros que ajuda a formar os próximos entrevistados. desta forma, semanalmente, a Veja lança um ranking dos crimes mais requintados da semana, e se você tiver a conta premium do site, você vê antes de todo mundo a desgraça mais inovadora da semana.

anualmente, acontece a premiação dos melhores do ano no programa de domingo que um outro cara apresenta, ele também é gordo, mas as mulheres mais gostosas com os sorrisos mais falsos do país ficam dançando atrás dele então ninguém se importa, também mostram vídeos do passado com pessoas caindo e a família inteira ri, o nome da premiação é "troféu richtoffen".

eu particularmente nunca me meti nessas coisas de crime, pq aqui no futuro é tudo tão rápido que você pensa em fazer uma merda e quando vai ver já fizeram, e aqui no futuro basta um fazer que nos dias que se seguem um monte de gente arremeda, outro dia mesmo queimaram uma dentista no trabalho dela, 2 dias depois, queimaram outra, já vai na oitava vítima, perde a graça.

eu tenho que sair agora e ir pra igreja, pois aqui todo mundo é obrigado a ir na igreja, seja teocêntrica ou ateísta, depois mando outras notícias, caso não venha a ser esquartejado e assado no novo grill do george foremman, paz e bem a todos, fiquem com deus.


(não) olhe fixamente para esta imagem

domingo, 21 de abril de 2013

dá a mão, quer o braço (pra não dizer o ói)

era sempre o mesmo texto, não sei porque sempre caí naquela conversa mole:

- você pode ir no mercado comprar um extrato de tomate?
- posso!
- aproveita e traz 2 litros de leite, 1 caixa de sabão em pó, 1 quilo de batata, 1 massa dona benta (anuncie aqui), uma tartaruga, um megazord, 3 abacaxis, 1 telescópio, 2 macacos bugio e 1 chipanzé!

tá, eu exagerei no abacaxi. mas era foda!

entender sua casa é entender o mundo inteiro, acho que foi vítor hugo ou daniel defoe, não lembro. mas é. se você compreender as relações estabelecidas em tua família vai entender tudo que a vida em sociedade quer e como vai te pedir.

primeiro, vão dizer que você só precisa ir pra escola, só isso. ao chegar na escola porém, você deve se comportar, fazer tarefas, superar o bullying, apanhar/bater/correr na saída da escola, enfim, sobreviver.

depois você só tem que passar num vestibular, não qualquer um, mas em medicina, direito, engenharia, essas merdas, com todo o respeito, claro!

depois você tem que estudar bastante pra não perder a mesada e se formar.

daí você passa num concurso, arruma um trabalho,  sei lá! aí você aproveita e acorda cedo e sai pra ganhar dinheiro e sobreviver, não importa se você não gosta do que faz, não importa nada, só importa se dá dinheiro e se tem prestígio social, daí você aproveita e se infarta de bugiganga pra mostrar pra todo mundo que você se deu bem na vida.

é a gente oferecendo a mão e um escroto querendo o braço pra não dizer o ói!

numa dessas idas ao mercadinho comprar o universo pra minha mãe, olhei rápido na tv e vi um avião entrando num prédio e deixando o mundo perplexo com a dialética adotada por sujeito do oriente médio, um lugar que até então só servia para ser negado, mas isso é outra história.


aproveita e traz duas torres gêmeas também e etc.





terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Burro

tô ficando mais burro.

tô ficando mais burro, sim, é sério. não ria. ou ria, se precisar. mas tenho ficado cada vez mais burro.

da infância até agora - 26 anos, puta que pariu, daqui a pouco faço 30, imagina o quão idiota serei aos trinta? - desde a infância quando a professora disse que eu era mais sabido que os demais, por isso me colocaria numa turma mais adiantada, depois, quando o professor de geografia da quinta série me reprovou, me devolvendo ao estágio do qual não deveria ter saído, ambos não se deram conta de que eu estava me tornando mais burro.

de todo os sintomas que eu poderia apontar para a progressão da minha babaquice, o mais atual foi ter passado algumas horas com os fones de ouvido por sobre a cabeça sem ouvir música, apertando minhas orelhas; se chamam headphones, ou fones de cabeça - até hoje não inventaram fones de cabeça que não apertem as orelhas, ou se inventaram são caros o suficiente para que só pessoas ricas não tenham suas orelhas apertadas -. isso não deve ser normal.

lembro de ter imposto uma condição a mim mesmo: "ou tira os fones, ou põe alguma música em mp3 pra tocar". mas, na indecisão, sigo sem músicas e com fones até agora. isso não pode ser normal. mp3 é uma coisa que na prática não existe.

enquanto emburrecia, fui encontrando pessoas que diziam que eu era inteligente - inteligente é uma pessoa que ainda não ficou bastante burra, ou que ainda não foi descoberta - isso me fazia pensar que elas também estavam ficando idiotas com o tempo. acho que por me verem com livros na frente dos olhos - livros são mapas de fazer pessoas burras parecerem inteligentes e confiáveis - elas pensavam isso de mim.

a gente passa um bom tempo lendo, estudando, aprendendo coisas novas e inúteis que nos deixarão mais arrogantes, assim tentamos frear a ação do tempo que nos emburrece, é vão, contudo, se a arrogância cultivada for suficiente, você nem percebe o quanto está ficando burro, e até se acha mais sábio, sábios é como todos os seres humanos se sentem, principalmente os velhos, apesar de terem tido muito tempo para envelhecer e ficar bastante burros, o suficiente para morrerem.

tenho ficado mais burro, mais velho, mais sábio e mais morto também.