quarta-feira, 12 de junho de 2013

corrida

estava na terceira série, não lembro quantos anos tinha, mas vocês podem imaginar. eu era pequeno. era pequeno e gordo, não gordo demais, mas gordo; gordinho, como se diz. estudava em uma escola batista de aracaju, uma bela escola, havia uma bela quadra bem no meio da escola. nesta escola eu tive a primeira aula de música da minha vida, aula de piano. odiei. se pudesse imaginar que um dia seria músico, teria dado mais atenção para aquelas mínimas e semínimas todas. coisas da vida.

esporte era carro-chefe da escola, na verdade deveria ser a religião, moral, ética, essas coisas, mas não lembro disso, lembro dos esportes, lembro de um campeonato de futebol, minha turma chegou à final, mas contra a quinta série lembro de ter buscado a bola umas três vezes no fundo da rede, o goleiro deve ter feito isso mais vezes, não foi uma goleada, foi uma esculhambação.

mas não é do futebol que vou falar, é da corrida:

meu pai deve ter acordado cedo, pois as provas de atletismo eram as primeiras, numa rua ao lado da escola. era sábado e estava frio. eu fiz o aquecimento com os outros garotos. preparar, apontar, fogo. lembro de ter visto meu pai, lá, parado, antes de eu começar a correr.

meu pai estava lá, não sei se torcendo por mim ou pra toda aquela bobagem terminar logo e voltarmos para casa. eu não tinha a menor chance, eu era gordo. ele sabia, eu não. lógico que fui o último a cruzar a linha de chegada, por que diabos eu estava ali? eu era gordo. 

acabou a corrida, eu tinha sido o último, estava revoltado e triste, não entendia por que não era mais rápido, estava com vergonha. meu pai estava ali vendo (e mesmo que eu não soubesse, dividindo) aquela derrota, deveria estar com vergonha de mim também.

seu manoel não disse uma palavra, não me consolou, não me julgou, não parecia triste, apenas dirigia, como sempre. num certo momento, me olhou e perguntou: "por que você quis correr?". não lembro se respondi alguma coisa, acho que não. ele soltou aquele riso debochado que perdura até hoje e não disse mais nada.

                    este não é um texto sobre um gordo inocente perdendo uma corrida na frente do pai, este é um texto sobre meu pai.

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